quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Professor Adolpho


Acho que todo cara que desenha ou vive de funções relacionadas a desenho tem na memória alguém que lhe deu o primeiro incentivo. Muitas vezes esse incentivo pode sair de dentro de casa, através da escola ou até na qualidade de uma primeira chance de trabalho.
Quando eu era criança, houveram duas pessoas que contribuíram para o meu desenvolvimento como artista.
Lógico, estou excluindo dessa lista meu pai e minha mãe que nunca me obrigaram a ser o que eu não queria e também não ficaram cobrando que eu fosse um sucesso no meu ramo de imediato.
As duas pessoas que eu não vou esquecer mesmo nessa fase de minha vida, aos 12 anos, foram minha madrinha (que era secretária e taquigrafa e por isso gastava muito papel no seu trabalho, ela juntava calhamaços de papel e mandava pelo meu pai e por isso eu tive papel em grande quantidade para experimentar o prazer do desenho, obrigado madrinha!) e o Professor Adolpho de Carvalho.
Como o próprio nome diz, ele foi meu professor de desenho no ensino fundamental. O Professor Adolpho foi naquele momento para mim o incentivo maior. De aura misteriosa, ele tinha um Aero Willys vermelho de capota branca, era brincalhão e sério ao mesmo tempo, era um desenhista vapt-vupt , antes de você pensar ele já tinha terminado o desenho, e um pouco exagerado na hora de me incentivar.
Eu gostei, claro: Ele me liberou de provas e notas , me ofereceu uma caixa de giz e o quadro negro e passei um ano inteiro desenhando livremente enquanto a turma seguia com a aula convencional.
Tem colega meu da área de desenho que quando conto essa história fica espantado, e de fato esse incentivo me transformou numa figura da escola, e eu era, a não ser na hora de desenhar no quadro negro, uma criança muito tímida.
Através do professor Adolpho eu publiquei meu primeiro desenho ( esse foi o primeiro mesmo) em 1977 aos 14 anos na revista Traço.
Ao mesmo tempo em que eu tomava conhecimento de que o meu valor existia o afastamento do convívio social da turma foi assim quase natural.
Eu só voltei a me sentir uma pessoa comum, inserida no grupo, ao chegar na Escola de Belas Artes da UFRJ onde todos desenhavam, mas misteriosamente e de forma muito inquietante eu passava aos colegas uma autoconfiança desproporcional ao que eu tinha de técnica e talento naquela época.
Se alguém me perguntasse porquê eu me sentia tão confiante para desenhar qualquer coisa eu respondia: - Sabe, eu tive um professor, era o Professor Adolpho de Carvalho e contava essa história arrepiante de incentivo extremo.
Eu aconselho os jovens desenhistas que me escrevem a mostrarem o seu trabalho, não serem tímidos na hora de exibir seus desenhos, acho que a timidez já enterrou muitos artistas talentosos, não que não possamos ser tímidos, podemos sim. Mas na hora certa.

Matéria publicada originalmente em 25/05/2003

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